quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Um debate democrático

-Desconfio que a democracia não resulta. Juntam-se astronautas, bodes, camponeses, galinhas, matemáticos e virgens loucas e dão-se a todos os mesmos direitos. Isso parece-me um erro cósmico. Desculpa.
Desculpei mas fiquei ofendido. Que a democracia era aquilo mesmo, e ainda com conversa fiada como brinde, isso sabia eu. Que mo viessem dizer, era outra coisa. Fiquei ainda mais ofendido, até porque não gosto de erros cósmicos. Acho um snobismo.
-Eu sou democrático - rugi entre dentes, como resposta. - Tenho amigos no exílio, todos democráticos. Foram para lá por serem democráticos. É um sacrifício que poucos fazem, ir para o exílio e ser professor universitário exilado e democrático. Eras capaz de fazer isso ?
- Não sou democrático.
Não havia resposta a dar. Nenhuma.
Ele não era democrático, não sabia de democracia.
Eu sim, sou democrático, até já quis ir à América, que me afirmaram que lá é que é a democracia. Recusaram-me o visto no passaporte, disseram que eu era comunista!
Viram isto ?
*
Mário-Henrique Leiria, Contos do Gin-Tonic

Nomadismo e miscigenação (1)

Se derrubarmos os muros que cercam o local (e separarmos, portanto, o seu conceito do de raça, de religião, de etnicidade, de nação e de povo), podemos fazê-lo comunicar directamente com o universal. O universal concreto é aquilo que permite à multidão passar de lugar em lugar e tornar cada lugar o seu próprio lugar. Tal é o lugar comum do nomadismo e da mestiçagem. É através da circulação que se compõe a espécie humana comum. Orfeu de múltiplas cores e de um poder infinito: é através da circulação que é constituida a comunidade humana. Fora de qualquer nuvem das Luzes ou de qualquer fantasia desperta kantiana, o desejo da multidão não é o Estado cosmopolita mas uma espécie comum. Como num Pentecostes secular, os corpos misturam-se e os nómadas falam uma língua comum.

Michael Hardt e Antonio Negri in Império, Ed. Livros do Brasil, pp. 396-397

França: depois da tormenta, as análises

Foi interessante o debate feito no programa “Arret sur Image” , do canal France 5, que dissecou a forma como os media estrangeiros fizeram a cobertura dos últimos acontecimentos em França. Durante as duas semanas em que muitos jovens incendiaram praticamente a vida politica e o quotidiano francês, a visão jornalística passada nos diversos países foi curiosa. Daniel Schneidermann, o pivot do programa que semanalmente analisa o uso e abuso das imagens na informação diária das televisões, considerou que a comunicação social internacional exagerou. E disse mesmo que entrou no campo da ficção ao comparar a situação francesa com a Intifada ou existência de um estado-de-sítio criado pelos muçulmanos. "A insurreição muçulmana em França, é o destaque principal do debate desta noite. Se não acredita no karma, depois desta estória, não sei o que lhe poderei dizer mais...”, dizia Bill O'Reilly, o apresentador da norte-americana Fox News, na abertura do seu programa. O'Reilly, conhecido pelas suas posições pró-W.Bush, foi buscar a oposição francesa à invasão do Iraque para criticar Dominique de Villepin, sem se importar minimamente em pronunciar bem o seu nome.
Já o correspondente da BBC, John Simpson, que participou no programa, considerou que lhe foi difícil cobrir os protestos e os incêndios. "o difícil foi encontrá-los, não aconteceu como estava á espera. No entanto, encontrei algo diferente do que muita gente pensava: não foi uma guerra”, disse.
Daniel Schneidermann considerou ser inevitável em televisão não haver distorção da realidade, devido á natureza do media. As câmaras focam o que mais interessa, que neste caso foram os carros incendiados. Dão-lhes um destaque muitas vezes desproporcionado. E dá como exemplo as imagens que passaram na televisão russa, que davam a impressão que a França estava toda em chamas. “E é claro que a França não estava a arder”, disse o jornalista e apresentador. No entanto, considerou que algumas das críticas dos media internacionais tinham razão de ser e a França tem de as levar a sério. Destaca, nomeadamente, o falhanço da forma como a França tratou a integração dos imigrantes, e também o não funcionamento do seu modelo republicano. Para Daniel Schneidermann “deve ser levada a sério a observação que os jornalistas ingleses fizeram segundo a qual, a nossa liberdade, igualdade e fraternidade é uma treta há mais de 50 anos”.

The Lady



Maurenn Dowd tem pêlo na venta. Pensa que os homens têm medo de mulheres com capacidade crítica. Para ela Clinton é um púdico.

Entre flirts, engates e boas histórias, Maureen é mais divertida, e menos reaccionária, qu'a Filomena Mónica.

The Redhead and the Gray Lady
How Maureen Dowd became the most dangerous columnist in America—on her own, very female terms.


By Ariel Levy

Possibly, there are even more naked women at Maureen Dowd’s house today than there were when this place was JFK’s Georgetown bachelor pad in the fifties. They are lounging in the vintage posters, carved into her Deco furniture, painted in huge trompe l’oeil pastorals on the living-room wall. “My girlfriend Michi said, ‘You’ve got to paint clothes on them,’ like you know how they did at the Sistine Chapel?” says Dowd, who is drinking white wine from a goblet with a naked woman carved into its stem. “But I like them. I think they’re kind of campy.”
Michi is Michiko Kakutani, one of Dowd’s circle of extremely close female friends at the New York Times, where Dowd is, of course, the only female op-ed columnist. It’s a post she says she is “not temperamentally suited to,” despite the fact she’s been doing it for ten years and has won a Pulitzer and a passionate army of fans in the process, because Dowd doesn’t like “a lot of angst in my life,” and it is specifically her job to provoke. Her natural inclination—her fundamental drive—is, rather, to seduce. But then those two things are not entirely unrelated.
It isn’t easy being the lone female on “murderers’ row,” as the columnists’ offices in the Washington bureau are called. (And Dowd’s office just happens to be next door to her ex-boyfriend John Tierney’s. “It’s like, ‘Out of all the gin joints in all the world . . . ’ It is weird,” she says. “We share a bathroom, which I guess could have ended up happening if we’d gotten married.”) Dowd says she doesn’t mind that W. has nicknamed her “The Cobra,” and she probably kind of likes being called “the flame-haired flamethrower,” but she hates all monikers that involve knives or other sharp objects. “I have a fear of castration,” she explains, perching herself with catlike precision on the striped settee in her lacquer-red sitting room. “Not fear of being castrated but fear of castrating.” This from a woman who once referred to Al Gore as “practically lactating.”
(...)
Brains versus sex. The serious and the superficial. The battle of the sexes. This has long been the terrain of Dowd’s journalism, and it’s the explicit focus of her new book, Are Men Necessary?, 338 pages of ruminations and witticisms on matters ranging from the Anita Hill–Clarence Thomas hearings to the vestigiality of male nipples.
(...)
Aqui

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

A Justiça e os reformados milionários

Não há nada melhor do que conferir os factos para que se tirem conclusões o mais objectivas possível. Por isso veja AQUI a lista de aposentados no ano de 2005, entre o mês de Janeiro e Novembro. Pretende-se com isto perceber um pouco mais sobre toda a polémica que envolve a justiça e o governo de Sócrates. O sector considera que não é justa a abolição de algumas regalias, pois é um órgão de soberania, e o governo acha que a lei portuguesa também é aplicada aos magistrados, porque eles não são australianos nem filandeses. Têm passaporte português e por isso estão sujeitos às leis nacionais. Por isso fica aqui a pergunta, adaptada de uma frase de Vital Moreira: sabia que 9 em cada 10 pensões de reforma superiores a 5.000 euros pertencem a magistrados? Com a devida vénia à Câmara Corporativa.

Pela liberdade na Blogosfera

Começou mal mas acabou bem. O nosso colega do blogue “Do Portugal Profundo” foi absolvido pelo Tribunal de Alcobaça. António Caldeira respirou de alívio quando o juíz considerou que não tinha violado a lei do segredo de justiça. Em causa estava um despacho que proibia a divulgação de excertos do processo Casa Pia aos jornalistas. Ora, António Caldeira é professor e alegou desconhecer a lei. O Tribunal também considerou que o despacho não o atingia, uma vez que não o inibia de divulgar as peças processuais, que afinal, não eram tão secretas como isso. Na altura da investigação, todos os dias podiam ser vistos na imprensa excertos do processo. Este caso iniciou-se em 2004. Além da matéria da investigação em curso do processo Casa Pia, Caldeira divulgou igualmente parte do relatório do SIS: «A Pedofilia em Portugal: Ponto da Situação», de 1999. Vá ao Do Portugal Profundo e deixe-lhe um abraço. Pela cidadania e em nome do direito à liberdade na blogosfera.

EPIGRAMA


Foto de Francesca Pinna


Os teus lábios, digo-te, não são doces
como mel.

(O mel
acaba por enjoar).

Mas são doces, os teus lábios, digo-te.
Mas doces como quê?
Ora, doces como eles são.

Doces?

Sim, olha, doces como o pão
que todos os dias comemos
sem fartar.

Rui Knopfli

terça-feira, 15 de novembro de 2005

DIÁRIO SOCRÁTICO (3)

16/11/05


Quem quer quentes e boas, quentinhas
A estalarem, cinzentas, na brasa...

Onde é que eu já ouvi isto?...
Bem, não importa.
A porcaria da impressora encravou justamente quando imprimíamos aquela foto do leopardo a correr na savana.
Ainda agora consigo lembrar-me do olhar que o mais novo me deitou nesse preciso momento.
A culpa não foi minha. Tinha notificado a minha secretária acerca da substituição dos cartuchos de impressão. Pensava que tudo estava bem.
Tentei remediar a situação com uma proposta de saída para a rua. Íamos comprar castanhas assadas e comê-las de regresso a casa.
Disse ao miúdo:
“Vá lá, calma, o pai vem já... È só mudar de roupa... Dá-me meia-hora...”
Saí da sala e fui para o meu quarto. Telefonei à Segurança a informar que ia sair à rua com o meu filho mais novo para comprar castanhas assadas. O Chefe da Segurança assegurou-me que iria mandar três agentes para nos acompanhar e pediu que o informasse acerca do trajecto que pensava fazer. Respondi-lhe que sim e disparei na direcção do armário. Procurei uma roupa informal e só me apareceram fatos completos num tom cinzento. De repente, vislumbrei num canto umas coisas amarrotadas: eram uns ‘macacos’ oferta do GREENPEACE de quando fui Ministro do Ambiente. Vinham mesmo a calhar. Num ápice enverguei-os. O puto ficou louco quando me viu aparecer na sua frente.
“Ih, pai ‘tás mesmo cool...”
Fiquei tão deslumbrado com aquela reacção que até me esqueci de avisar o Chefe da Segurança e lá saímos os dois...

Local: Stallet
Endereço: Stallgatan 7, Estocolmo
aqui

Associação Ponte Moçambique - Suécia
a-ponte@hotmail.com

Esclarecedor

José Sócrates anunciou, com pompa e circunstância, o aumento do salário mínimo nacional em 3 por cento, "acima da inflação, que será de 2,3 por cento". Na prática isto traduz-se num aumento de 11,20 euros mensais, dos actuais 374,70 para 385,90 euros. No entanto, se tirarmos os tais 2,3 por cento da inflação, verificaremos que o aumento real, ou seja, aquilo que os cerca de 250 mil portugueses que recebem o salário mínimo irão ver crescer nos seus orçamentos, será de 2 euros e 69 cêntimos. Curiosas foram as reacções dos patrões: Van Zeller, da CIP, anunciou em tom de pânico que «para as empresas, poderá ser importante e algumas delas poderão fechar» devido a este aumento de 11 euros. Único comentário possível: mas que raio de empresas são essas que não aguentam um aumento destes? Pelo contrário, José Silva, da CCP, não se importa com o aumento porque (sic) «trata-se de apenas alguns cêntimos». Mais esclarecedor não podia ser.

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Diário Socrático (2)

15/11/05

Os meninos à volta da fogueira... Lá... lá... lá...
Onde é que eu já ouvi isto?...
Bem, não importa.
O que é certo é que estas coisas da França dão que pensar.
Qualquer dia, anda aquela malta da Cova da Moura ou do Bairro não-sei-quantos-de- Maio a querer candidatar-se a um programa de Auto-Grill e o Ministro das Finanças a dizer-me que não sabe se há linhas de financiamento e eu que me esmifre. Caramba, que sobra tudo para mim!
Ainda falta uma data de tempo para recomeçar o campeonato de futebol. Estes gajos são parvos ou quê?!
Querem lixar-me. Vou telefonar ao Ministro da Justiça.

Cesariny (1)


O RAUL LEAL ERA

O Raul Leal era
O único verdadeiro doido do "Orpheu".
Ninguém lhe invejasse aquela luxúria de fera?
Invejava-a eu.

Três fortunas gastou, outras três deu
Ao que da vida não se espera
E à que na morte recebeu.
O Raul Leal era
O único não-heterónimo meu.

Eu nos Jerónimos ele na vala comum
Que lhe vestiu o nome e o disfarce
(Dizem que está em Benfica) ambos somos um
Dos extremos do mal a continuar-se.

Não deixou versos? Deixei-os eu,
Infelizmente, a quem mos deu.
O Almada? O Santa-Ritta? O Amadeo?
Tretas da arte e da era. O Raul era
Orpheu.

In O Virgem Negra

DIÁRIO SOCRÁTICO


14/11/05
Aqui está tudo bem. Aqui está tudo tão bem...
O Sol é mesmo de ouro e a Lua é toda de prata e quando chove só caem diamantes...

Onde é que eu já ouvi isto?...
Bem, não importa. Não há notícias de carros a arder, nem de putos nas ruas. A Justiça funciona. O Orçamento lá foi aprovado. A malta encheu os centros comerciais e hipermercados e fez compras para o Natal que se avizinha. Bendito São Martinho que veio na hora certa. Já avisei a malta do Conselho de Ministros para se controlar nos cartões de crédito. Estou farto de problemas com o Banco de Portugal.
A senhora Ministra da Educação meteu o pé na argola. Os profs. de Filosofia só dão aulas ao Secundário... como é que podiam substituir os profs. de Educação Visual?...
Pois. Ela esquece-se ou talvez nem saiba que há escolas que só têm um ciclo de ensino: o secundário. De qualquer modo, apareceu em frente às câmaras com um penteado execrável.
Vamos ter uma conversa antes do próximo Conselho...
O Jerónimo cascou no Alegre e o Alegre respondeu-lhe, graças a Deus que o Mário não deu por nada. Ainda bem que o Cavaco continua mudo e o palerma do Louçã deve ter ido à Feira do Chocolate a Óbidos.
Digitalizámos as fotos do Quénia. Ficaram espantosas!
Acho que me espera uma semana propícia.

domingo, 13 de novembro de 2005

Gotham City


Foto de Francesca Pinna


Segue-se o:
"BARCLAYS NA SEDE DO EXPRESSO" - PRIMEIRA PÁGINA

O arquitecto lança-se para outros voos e no telhado Henrique Monteiro diz adeus ao maoísmo - Possível legenda da foto da 1ª página da edição de 12 de Novembro de 2005

sábado, 12 de novembro de 2005

A esquerda e a direita entre o céu e o inferno

Há muitas formas de abordar a questão francesa, mas todas elas tem de se reportar aos problemas reais que se vivem hoje. São fruto de um acumular de tensões e situações, que começaram timidamente há quatro décadas, com as descolonizações, e revelaram-se de forma mais nítida e com maior impacto, há pouco mais de duas. Actualmente, com a globalização, tudo se agravou, nas mais diversas vertentes. Por isso, considero que fazer uma análise do que se passou à luz dos acontecimentos do Maio de 68 é tão desactualizada como as músicas do Engelbert Humperdinck. Mais coisa menos coisa. E porque hoje é sábado, um dos dois dias de preguiça que o Estado-Providência me concede semanalmente, socorro-me de um artigo de opinião para o debate. Tem o título "França e a cartilha do Ocidente", e é assinado pelo Henrique Monteiro. Agora que os fogos estão a passar rapidamente e em força para as lareiras dos lares franceses.
*
(...) A forma mais simplista de contar a história é afirmar que esta é uma revolta da juventude, nomeadamente pelo facto de Sarkozy ter chamado «escumalha» aos jovens dos subúrbios. Mas, verdadeiramente, ninguém acredita que isto mesmo não acontecesse, mais dia menos dia, sem a colaboração destemperada de Sarkozy. Outro modo simplista de encarar a história é, concordando com Sarkozy, achar que todos estes jovens são, de facto, «escumalha».
*
Ambas as versões são, em parte, verdade e, em parte, mentira. Há uma revolta latente e, como em quase todos estes acontecimentos, há uma «escumalha» que se aproveita. Perante isto, a sociedade olha com algum espanto. Logo em França, que enche a boca com o seu modelo social e a sua integração exemplar - a pátria da liberdade e da igualdade. Logo em França, onde chovem subsídios para tudo e mais alguma coisa: para a integração de africanos e magrebinos; para a alfabetização das minorias; para o acolhimento aos imigrantes.
*
Escapa-nos, porém, o essencial. Escapa-nos que esta segunda geração, já educada na Europa, não tem a mesma motivação dos pais. Estes imigraram para fugir à miséria (à verdadeira miséria e não ao que se chama miséria dentro da Europa). Trabalharam e trabalham como cães, nos empregos mais difíceis e mais desqualificados, conseguindo, com o pouco dinheiro que ganham, mandar parte para a terra e sonhar com um futuro melhor para os filhos. Os portugueses bem conhecem esta saga; «mutatis mutandis» foram parte dela em França.
+
Mas a segunda geração, educada entre nós, ouviu a cartilha cultural pós-moderna. Uma cartilha contra o «melting pot», a favor da afirmação da diferença; uma cartilha de irresponsabilidade pessoal e de dependência social do Estado; uma cartilha que coloca todos os benefícios no tempo presente e todos os sacrifícios como dispensáveis. É esta nossa cultura que contribui decisivamente para a tribalização da sociedade e para o fim da ideia da recompensa diferida.
*
O que os jovens dizem na rua é que não se sentem franceses, nem belgas, nem alemães, em parte porque lhes ensinaram que nada havia de maravilhoso em se ser europeu; pelo contrário, hoje em dia, ser-se europeu é sinónimo de pertencer a um continente que fez coisas terríveis na história (apesar de isso ser tão verdade para a Europa, como para a Ásia ou a África). O que hoje os jovens pensam é que não é necessário trabalhar duro para mais tarde terem uma recompensa. Apenas sabem que não têm o que lhes prometeram - um reino de facilidades sustentadas pelo Estado e repleto de assistentes sociais e ONG que velam por eles.
Claro que também não é apenas isto que conduz os jovens à violência. Mas é também isto. E este talvez seja o aspecto de que menos falamos; a culpa que menos assumimos; a responsabilidade que menos reconhecemos.
Henrique Monteiro, in"Expresso" 12.11.05

Fogo e Ritmo

Sons de grilhetas nas estradas
cantos de pássaros
sob a verdura húmida das florestas
frescura na sinfonia adocicada
dos coqueirais
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.
Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente
em êxodo de toda a parte
caminhos largos para os horizontes fechados
mas caminhos
caminhos abertos por cima
da impossibilidade dos braços.
Fogueiras
dança
tam tam
ritmo
Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo nas unhas descarnadas
Mas ritmo ritmo.
Ó vozes dolorosas de África!
*
Agostinho Neto, in "Sagrada Esperança", 1974

Foto de Ivone Ralha


Velas

Os dias do futuro ficam diante de nós
como fila de pequeninas velas acesas –
douradas, quentes, e vivas pequeninas velas.

Os dias passados ficam para trás,
uma linha triste de velas que se apagaram;
as mais próximas soltam fumo ainda,
velas frias, derretidas, e torcidas.

Não quero vê-las; dá-me dó a sua figura,
e dá-me dó lembrar-me da sua luz primeira.
Olho para a frente para as minhas velas acesas.

Não quero voltar-me para não sentir horror ao ver
que rapidamente se torna longa a linha escura,
que rapidamente se multiplicam as velas apagadas.

Konstandinos Kavafis, ‘Os Poemas’
Trad. J.M.Magalhães e Nikos Pratsinis
Relógio D’Água

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Última Tentação

Man Ray, Retrato solarizado - 1931
*
E então ela quis tentá-lo definitivamente. Olhou bem em volta, com extrema atenção. Mas só conseguiu encontrar uma pêra pequenina e pálida. Ficaram os dois numa desesperante frustação.
Não há dúvida que o Paraíso está a tornar-se cada vez mais chato!
Mário-Henrique Leiria,
Contos do Gin-Tónico

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Crónicas dos anos da brasa (3)

Banlieues : Mai 68 ou Weimar ?

par Didier PEYRAT

QUOTIDIEN : mardi 08 novembre 2005
Didier Peyrat est magistrat
à Pontoise.

Les événements qui se déroulent dans les banlieues françaises prouvent l'échec radical de la droite dans ses politiques de sécurité depuis avril 2002. Mais on aurait tort de ne voir que le bilan piteux de la majorité UMP. Il faut aussi garder les yeux ouverts sur notre criminalité envenimée, et les dégâts qu'elle fait. Face aux propos stigmatisants de Nicolas Sarkozy, il est possible de manifester, de protester, de voter ; il est aussi possible de brûler des milliers de voitures, d'agresser des journalistes, de caillasser des pompiers, de saccager des commerces, de détruire des crèches et des écoles, tout en espérant secrètement que finisse par se produire la «bavure» qui permettra de transformer rétroactivement le sens de toutes ces exactions. Le fait que ce soit systématiquement la seconde option actuellement choisie par nos «émeutiers» rend toute comparaison avec mai 1968 indécente.
Nous savons maintenant que la criminalité est toujours là, tenace, et même envenimée depuis 2002. Elle avait résisté à vingt années de politiques de la ville et à la baisse du chômage entre 1997 et 2002 ; aux démonstrations de virilité télégénique de Nicolas Sarkozy ; comme à l'augmentation des effectifs de police et à la multiplication délirante des infractions dans le code pénal. Mais cette insécurité n'est pas seulement en train de mettre en difficulté le gouvernement actuel. Elle témoigne d'un ébranlement plus profond et en même temps elle l'avive. De cortèges lycéens brutalement dispersés (8 mars 2005) en banlieues périodiquement mises à sac, en passant par les milliers de vols violents de nos espaces publics, elle comprime la démocratie française, en pesant sur de nombreuses victimes. Elle sera exploitée, n'en doutons pas, notamment aux environs de 2007. Mais éludée, contournée, niée dans sa spécificité, elle saura se rappeler, brutalement, à notre bon souvenir.
Cela signifie que, revenue au gouvernement, la gauche n'aurait pas qu'à abolir des lois liberticides ou certains dispositifs douteux mis en place entre 2002 et 2007 : elle aurait à combattre et à faire baisser la criminalité. C'est pourquoi il est décisif d'élaborer une politique de sécurité à la fois clairement de gauche (notamment par le soin apporté à la prévention, le respect scrupuleux du droit et de l'indépendance de la justice) et dépourvue d'angélisme (qui tienne compte en permanence de la réalité de l'insécurité, y compris dans ses aspects les plus durs). Seule une politique durable (c'est-à-dire valable qu'on soit dans l'opposition ou au gouvernement) et non jetable (faite de slogans oubliés dès qu'on est en situation de diriger, parce qu'ils ne tiennent pas la route face au crime réel) est susceptible de faire mentir la malédiction qui semble attachée à la gauche française dans ses rapports avec la sécurité, et qu'on ne trouve nulle part ailleurs en Europe. Les syndicats et partis de gauche devraient aujourd'hui organiser des états généraux de la sécurité en société. Quels seraient les débats qui pourraient y être menés, en essayant de dépasser de vieux clivages ?
1. Combattre la démagogie sécuritaire sans recourir à l'angélisme
(...)
2. Se caler sur la profondeur du besoin de sécurité, pas sur la tactique
(...)
3. Prévenir et éduquer mais aussi punir
(...)
4. Admettre que le changement social a besoin de sécurité
(...)
5. Elargir l'assiette sociale des politiques de sécurité
(...)

Ler aqui
Grito Negro

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

José Craveirinha