terça-feira, 2 de novembro de 2010

"África em foco" - Bok & Bibliotek (Göteborg Book Fair), 23-26 de Setembro de 2010 (2)

Véronique TADJO (Costa do Marfim) prosa, lírica e literatura infantil
Foto de Sérgio Santimano

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Dilma

Tenho dois amigos brasileiros, ambos acima dos cinquenta anos. Partilham um passado de extrema-esquerda e pertencem à ínfima minoria de não-religiosos. Ambos falam dos EUA de um modo que nós, europeus, simplesmente não conseguimos entender: as recordações dos golpes, das perseguições e torturas, que os americanos patrocinaram por toda a América Latina ("o seu quintal") pelos anos 60, 70 e 80, são demasiado presentes, por vezes até para que se possa discutir a política americana de um modo equilibrado com eles. Isto para dizer que o Brasil, queira-se ou não, é outra coisa. Esses meus amigos, uns radicais do pior, exultam com a vitória da moderadíssima Dilma Roussef. Dizem-me que, pela primeira vez na sua vida, olham para o seu país e vêm a vida de facto a melhorar, que pela primeira vez faz-se uma efectiva distribuição da riqueza produzida, e, mais importante até, que o Brasil passou a caminhar de cabeça erguida, que se recusa a continuar a ser o quintal dos americanos e a coutada privada dos caciques. Tudo isso, dizem-me, o devem a Lula, e por isso partilho com eles a sua alegria pela vitória da candidata da continuidade, e o facto de, finalmente, se sentirem vencedores. Isto que acima descrevi, a impressão nítida de que as coisas estão a melhorar, não é algo que se sinta muito neste "mundo ocidental", e por maioria de razão ainda menos neste nosso Portugal, e por isso devíamos olhar para esse Brasil e aprender algumas coisas. Por exemplo, que é, apesar de tudo, possível governar à Esquerda, com independência, com um governo suficientemente forte para se marimbar nos "mercados financeiros" e nas "inevitabilidades" do discurso dominante, e fazer uma sociedade avançar através de receitas que por aqui se consideram velhas e ultrapassadas, como sejam promover o desenvolvimento económico e a redistribuição da riqueza. Com certeza que por cá as condições são diferentes, mas serão assim tão diferentes?

As crises do capitalismo

sábado, 30 de outubro de 2010

Punk is not Daddy

É um título de que gosto muito. E é o mais recente filme de Edgar Pera, sobre a música moderna portuguesa, na década de 80. A não perder, para os verdadeiros melómanos. Mais informações, aqui:
http://crackinthecloud.blogspot.com/2010/10/punk-is-not-daddy-de-edgar-pera-hoje-no.html

A propósito, fui ontem ver O Filme do Desassossego, de João Botelho, baseado nos textos e excertos do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares. Uma realização cuidada, imagens excelentes e um grande actor e amigo meu no papel do Bernardo Desassossegado, Cláudio da Silva. Fora isso, é um excelente filme que parece teatro, em que o rigor está na mais ínfima das cenas. O leque de actores é muito bom. Pela negativa, apenas Rita Blanco e Catarina Wallenstein. A primeira por fazer sempre dela própria (o que aqui choca com o ritmo e tom dos outros actores) e a segunda pela deficiente dicção e apressado ritmo do texto, embora os planos da cena principal em que participa sejam belíssimos. No entanto, um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos, seguramente. Sobre o conceito de exibir este filme apenas em teatros, eis aqui uma pequena entrevista com o realizador.
http://dn.sapo.pt/gente/interior.aspx?content_id=1670706

E para quem tiver coragem, há o Mistérios de Lisboa, do Chileno Raúl Ruiz. Um filme de 4 horas e picos. (227 min.) Ainda não o vi, mas estou a preparar-me para a maratona! Diz quem viu que vale a pena! Eis o site: www.misteriosdelisboa.com/pt/
Boas Cinefilias!

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

"África em foco" - Bok & Bibliotek (Göteborg Book Fair), 23-26 de Setembro 2010 (1)

Lesego RAMPOLOKENG (África do Sul) - lírica
Foto de Sérgio Santimano

”África em foco” - Bok & Bibliotek (Göteborg Book Fair), 23-26 de Setembro 2010 (introdução)


Realizou-se em Gotemburgo mais um BokMässa (Feira Internacional do Livro).
Este ano como convidado principal vários países africanos com os seus escritores.
Na abertura oficial esteve a escritora Nigeriana Sefi Atta que viria a receber pelas mãos da ministra da cultura sueca Lena Adelsohn o prémio literário “Noma Award”; Carin Norberg, directora do Instituicão Nordica para África, também participou neste acto, abrilhantado depois com a presenca músical de Dobet Gnahoré (Costa do Marfim).
Pelo palco desta feira em Gotemburgo foram desfilando mais de 70 convidados, dez editores de 28 Países africanos, 62 seminários, entrevistas ou apresentações.
Um conhecido escritor dizia que de África, conhecemos as suas danças, os seus batuques, praias , hoteis de luxo, etc., mas sobre a sua intelectualidade pouco ou nada sabemos deste continente…
De uma maneira geral, pelas palestras por mim presenciadas, notava-se por parte de alguns escritores um certo desânimo sobre a realidade actual, interrogando-se as gerações que lutaram e se sacrificaram pelas suas idependencias e liberdades, se era isto que se vê nos dias de hoje o espelho das suas aspirações….?
Sem dúvida que este foi um grande passo para a divulgação dos escritores do nosso continente, muitos deles já com grande projecção internacional, e sempre com aquela vontade de a este estágio virem a chegar muitos mais, num futuro breve… Procurando aumentar mais o interesse pela literatura africana na “cena internacional”. Certamente que em quatro dias não se pode conhecer tudo sobre a literatura deste continente, mas um passo importanto foi já dado, não só o de trazer os escritores africanos como também as suas editoras, porque são estas, afinal, que tem a possibilidade de fazer a divulgação dos livros nos paìses nórdicos. Sem duvida que esta apresentacão da literatura africana nos paises nórdicos foi a maior de sempre!
O 2+2=5 irá a partir de agora publicar algumas fotos de participantes nesta feira.

Texto de Sérgio Santimano

sábado, 23 de outubro de 2010

Egoiste.



Os franceses, ou as francesas, nas suas acções gerais, sempre adoptaram o estilo burlesco, e sempre foram algo dramáticos.
Corre no sangue, ou, como quem diz, corre-lhes no champagne.
Anúncio televisivo da Chanel - Década de 90;

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Quero!

Quero uma casa com vista para o entulho. Uma frenética poeira nos
despojos do mundo. Quero um cartão onde possa dormir e um saco de
plástico para precaver da chuva insone. Quero uma chávena de chá
no deserto da minha paupérrima vida. Quero umas meias grossas
para combater a solidão do frio gélido. Só quero um amor para a
refrega dos sentidos. Quero tudo e o que quero é nada.

Um simples diapasão no ocaso da noite. Brumas no estertor da
estultícia em que vivemos. Corremos atrás desse sucesso e da
finança em sorrisos sempre pop. Não quero um mundo como
este, competindo por nada e arrasando tudo. Até eu, já me
deixei levar por este gerúndio da vida. Acreditando e olhando
para o futuro com o olhar esperançado nas migalhas do porvir.

Quero um país onde a cama onde me deito seja a da educação.
Quero nas mentes das pessoas uma ideia de qualidade e rigor.
Quero nos corpos um desejo premente de beber cultura.
Quero nos ideiais, uma outra maneira de viver e trabalhar.
Quero nos corações o desejo forte, sem receios, de amar.
Quero uma política feita de transparência, de sentido e causas.

Quero uma noite de luar contigo, meu amor, em que possamos
dizer ao mundo: aqui se fez, no frio chão da nossa vida, uma
série de utopias e novos mundos idílicos para gerar. Um
frenesi iniciático e duradouro, um idílio de espelhos para
reflectir por todo o derredor. E agora, agora meu amor,
resta-nos a placidez do inferno na esteira solene da inocência.

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Correio Interno


 André,

            Está o país de coração na mão, expectante, emocionado, ao rubro, suspenso das negociações dos nossos líderes e da aprovação de redentor orçamento. Se, as agências de comunicação funcionassem em Portugal, teriam aconselhado aos líderes, que incitassem os cidadãos a porem bandeiras nas janelas e cachecóis ao pescoço, pois não é de somenos monta o desígnio patriótico de votar o orçamento daquele de meter golos, e o Parque das Nações inundaria de jovens, colados aos televisores, emborcando bejecas. Mas não. Será tudo feito sem a participação popular.
            O povo contribuiu, e bastante, para a situação actual com a sua proverbial inocência, criando um monstro que se chama sistema financeiro. Quando apareceu a moda dos cartões de crédito, ninguém achou aquilo estranho, e de livre vontade, pagava um valor superior por um produto ou serviço, indo essa diferença direitinha para uma instituição que nada fazia, excepto “gerir crédito”. Por um jantar de 20 €, ou outra coisa qualquer, pagavam 25 ou 30 e não viam a idiotice desta atitude. (Faziam-no por que, de facto, o seu nível de vida subira, e pagar mais por uma coisa não era problema). Os Bancos perceberam o maná, desataram a inventar “produtos” para subtrair dinheiro às pessoas. Um deles, por exemplo, foi a Conta Ordenado. Ou seja, uma pessoa levanta dois vencimentos num mês (e, pela saudável concorrência de mercado, há Bancos que oferecem três): ou seja, sobre um ordenado de 1000 €, levantaria 2000 €, depois passaria 5 ou 10 anos a receber 800 € apenas; retiravam-lhes 20 € para pagar juros, amortizações, e mais outros pozinhos de fadas para dilatar lucros. A bola foi crescendo, as intuições financeiras, (ou Bancos com actividade financeira), engordando, e o nó à volta do gasganete do cidadão, apertando, e os Estados também entraram na dança, endividando-se, somando endividamento sobre endividamento, até, ser impossível pagar essa dívida, e a solução é… negociar mais dívida. (Claro que se pode culpar o Nixon, quando precisava de massa para a guerra do Vietname, e acabou com o padrão ouro).
            Como é que se sai disto? Os Bancos, actualmente, têm a função primordial de controlar os cidadãos, são bases de dados da vida económica do cidadão, para acesso fácil das Polícias e do Estado. Logo, vende-se a ideia da sua inevitabilidade nas nossas vidas. A primeira coisa a fazer é sair do circuito dos Bancos, retirar o dinheiro todo, e voltar ao velho hábito de pagar em dinheiro vivo. Não só para precaver alguma (ou total) falência bancária, mas para que a economia se processe sobre bases mais “reais”, excluindo do acto quotidiano de compra e venda o intermediário financeiro e especulativo.
            Depois de aprovado o orçamento, foguetes! fsssh pum! fssssh puuuum! champanhe! rolhas! plof! plof! ah, o Governo cedeu, mas salvou o país, a oposição obteve importantes vitórias, aliviando o encargo dos portugueses (o óleo e o leite com chocolate fica a 6%). Felicidade! É um bom acordo, dirá satisfeito o duo líder… Para o ano serão necessárias novas medidas extra: mais reduções dos salários, e desta vez, com redução das pensões também, e, mais importante, despedimento puro e simples de funcionários públicos. (E isto não é estar contaminado por xamãs, como dizes, é só fazer contas: deve-se tanto, a juro tal, dá tanto. É impossível Portugal pagar a sua dívida, se não paga os juros, e reduzir o défice, cortam-lhe o crédito, e adeus país: porque não há riqueza interna que o sustente. Antigamente, havia o Espírito Santo, o banqueiro do Estado, quando era preciso uns cobres ele tinha. Agora não há poupança nacional para isso, a massa tem de vir de fora, como as namoradas do Ronaldo).

            Um abraço

Maturino Galvão

Os economistas são xamãs

Os economistas são os novos xamãs.
Os economistas explicam tudo, explicam a maneira com a economia se explica, os economistas são xamãs!

"Explicar", de algum modo, significa reconhecer uma sabedoria total, sobre algo mesmo que esse algo seja regional. Os economistas explicam, eles são xamãs!
Eles sabem como as coisas todas passam, eles tem leis que a tudo se podem aplicar, eles são pragmáticos, eles são racionais e científicos, eles limitam-se às leis que explicam tudo, eles são xamãs!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Espeto de Pau



Vi ontem no DocLisboa, e ainda passa hoje (quarta) às 16:30 no Londres: "Cuchillo de Palo", um espantoso documentário de Renate Costa, a não perder. No Paraguai, a realizadora procura descobrir o rasto escondido de um tio, que, por ser homossexual, sofreu a perseguição da ditadura de Stroessner e a ostracização social e da sua própria família, até à sua morte, ao que dizem, "de tristeza". Renate Costa constrói um documentário pessoalíssimo que é não só um pungente retrato da homofobia como um encontro com o seu próprio passado, com a relação, também ela distante, com o seu pai, e com a relação deste com o irmão homossexual. Um documentário magnífico na abordagem ao tema (forte sem ser panfletário, comovente sem ser lamechas), ao ritmo, à filmagem, enfim, e como disse ao princípio, só passa mais uma vez hoje às 16:30, vão vê-lo ao Londres!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O grande casino europeu - como transformar a dívida privada em dívida pública


El gran casino europeo from ATTAC.TV on Vimeo.

Manifesto contra a Indigência de um Povo

Como explicar em poucas palavras o desespero e a dúvida?
E o desemprego, a crise e o foderem-nos a vida de todas as maneiras?

Como ter filhos, como ter uma casa, como viver?

Estou farto deste tom monocórdico da vida.
Estou fartíssimo de esperar por uma revolução audaz.

Canso-me e entristeço-me com a nossa bonomia, a nossa inerme vida!
Sofremos de astenia compulsiva e a culpa é de Dom Sebastião, a Saudade,
a igreja Católica, a vida em modo gerúndio num "vai-se andando" que me
corrompe e enoja até às entranhas.

Para quando a vida levantada do chão? Para quando os braços não apenas
para o trabalho, mas para a defesa dos ataques aos nossos direitos?

Caminhamos, insossos e sem frenesi. Para quando a sageza do espírito
crítico e o olho atento ao real? Para quando a plenitude dos sentidos?

Até lá, somos espíritos amputados e sonâmbulos, espezinhados pela
mediocridade e pela ignóbil coscuvilhice das vidas alheias em écrans sem fim.

Chega de merdas e floreados, de segredos e mentiras! A vida é só uma!
E muitos de nós nem chegamos a vivê-la, a senti-la. Vivemos anestesiados
na lufa-lufa diária, nas batatas e no vício, no pão e no circo dos mediáticos.

Há muitas estradas para cortar, muitos carros por incendiar, muitos seres
para sequestrar, muito parlamento para sujar, muita faca por afiar!

Agora depende de mim, de ti, de nós. Depende de um país adiado e anão.
Depende deste país criança em querer crescer, em querer sujar as mãos.

Em palavras, em actos, em gritos e revoltas. Em rasgar os acordos, em
acordar do regaço da mãe galinha e enfadonha. Cortar o mal da indigência
pela raiz. Plantar sementes de loucura, de paixão pelo desconhecido! Novas
espécies para crescer no fértil vale da utopia. Pelo sonho é que vamos!

O resto, é conversa. Que as armas estejam contigo, meu irmão! Seja em
poemas, em cantigas, em acções braçais, filosóficas ou sociais. Usa a tua
inteligência e sensibilidade para te tornares um ser político, para acabar
de vez com a incultura, o abuso, a prepotência! Para elevar à máxima
potência a res pública, que ela bem merece o teu carinho e não o teu
atavismo crónico e bonacheirão! Contra os cabrões, marchar, marchar!!!

Manifesto contra a indigência de um povo!
Portugal, Outubro de 2010!

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Let no sunrise' yellow noise / Interrupt this ground

«No matter how much we each desire recognition and require it, we are not therefore the same as the other, and not everything counts as recognition in the same way. Although I have argued that no one can recognize another simply by virtue of special psychological or critical skills and that norms condition the possibility of recognition, it still matters that we feel more properly recognized by some people than we do by others. (...)
The uniqueness of the other is exposed to me, but mine is also exposed to her. This does not mean we are the same, but only that we are bound to one another by what differentiates us, namely, our singularity. The notion of singularity is very often bound up with existential romanticism and with a claim of authenticity, but I gather that, precisely because it is without content, my singularity has some properties in common with yours and so is, to some extent, a substitutable term.»
Judith Butler in GIVING ACCOUNT OF ONESELFFordham University Press New York, 2005

© Eugene Von Bruenchenhein, Untitled (Marie, double exposure), c. 1943–1960

© Eugene Von Bruenchenhein, Untitled (Marie, double exposure), c. 1943–1960

Laura Nadar