sexta-feira, 8 de junho de 2007

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

Da conferência dos Oito Governadores

Olá,

Vocês desculpem-me lá mas ontem à noite estava totalmente cansado e não tive pachorra para escrever. O Sarko deu uma seca ao pessoal à velha e à francesa e o Presidente Barolo deu outra conferência de imprensa em que repetiu as mesmas coisas do dia anterior. Só que desta vez tudo era um sucesso em vez de ser um desejo porque aparentemente houve um acordo sobre o aquecimento global. A malta acordou que afinal não acordou em nada e isso aparentemente e segundo o Barolo foi um sucesso.
Para ser honesto o Sarko não nos fez esperar tanto tempo como o Jacques Chirac fez há dois anos na Escócia quando chegou uma hora e meio atrasado à conferência de imprensa. O Sarko só nos fez esperar 45 minutos. Por essa altura eu já estava farto e fui dar uma volta e descobri que os tempos mudaram.
Falei com um dos comandantes “de terreno” da polícia de choque. Um tipo aí de uns 50 anos, cabelo rapado à careca, barba de dois dias, magro como o caniço, só nervo nem um grama de gordura e …. um brinco na orelha esquerda. Ena pai, se não fosse a farda eu pensaria que o gajo era um freak dos velhos tempos só que sem cabelo.
Mas a melhor cena foi quando ali perto de Heiligendam antes de mais uma cena de porrada entre os globalizados antiglobalização e a polícia, um dos manifestantes sacou de um trompete e tocou impecavelmente e com muito soul e feeling a…. Internacional. O tipo tocava bem embora eu tenha pensado na altura que foi um pouco de mau gosto tocar a internacional num local que pertenceu à antiga Alemanha de Leste. Alias ninguém aplaudiu mas lá que foi bem tocado isso foi. Passados uns minutos e não sei por que razão a polícia decidiu dar chuvarada ao pessoal com dois carros com duas mangueiras uma das quais estava sempre a pingar grandes quantidades de água mesmo quando não estava a ser usada. Começou tudo aos empurrões e a polícia apanhou também uma chuvarada. Houve um gajo que atirou com uma garrafa de cerveja meio cheia que inexplicavelmente não se partiu quando um polícia a aparou com o seu escudo. Tenho que aprender a técnica. Depois a coisa começou a aquecer e eu fui-me embora.
Tenho a dizer-vos que já estou um pouco farto de tudo isto. Ontem aliás fui à praia para passar tempo, praia que é aqui mesmo em frente do centro de imprensa. Quando voltei duas horas depois estava toda a malta na galhofa em frente a um écran gigante a ver o George e o Vlad (é assim que os amigos tratam o Putin) a dizerem que se amam. Não sei lá por que razão a malta em frente ao écran achou uma piada enorme quando o Bush disse que a “Rússia é um grande país e os Estados Unidos também são um grande país e o mundo fica nervoso quando começamos a argumentar”. Risada geral! Deve ter sido pela profundidade filosófica da declaração, mas o Vlad gostou e deu a mão ao George para a foto. Tão romântico! E malta toda na galhofa com um jornalista espanhol a dizer que pareciam “maricons”
Vocês devem ter notado que eu disse que a malta estava em frente a um écran. Isto em grande parte funciona assim. A malta no centro de imprensa vê as notícias no écran da televisão (como vocês) e depois escreve as notícias sobre as coisas que vocês já viram em directo. É porreiro! Se isto durasse mais três dias ninguém mais iria a Heiligendam porque o maralhal da informação prefere ficar aqui no centro de imprensa onde a comida e a bebida é melhor. Os alemães ontem numa tentativa de animar o pessoal abriram um campo de voleibol na praia. Infelizmente só uns gajos barrigudos é que foram jogar e depois um deles começou aos berros quando a bola bateu directamente na câmara de televisão estacionada a uns metros de distância. Esse barrigudo foi-se embora com um ar preocupadíssimo sentando-se depois num banco a limpar a câmara e a gritar insultos (creio eu!) numa língua que eu não percebia.
Ah! Já me esquecia que ontem fui a uma conferência de imprensa de activistas de causas africanas. Fiquei a saber que o aquecimento global é que causa cheias em Moçambique. Segundo um dos gajos que falou na conferência de imprensa (um nigeriano com uma impecável pronúncia britânica) os países da brancalhada deveriam pagar aos países africanos pelo aquecimento global. “E isso para além do dinheiro já prometido,” disse ele. Ninguém se riu o que eu achei estranho. A brancalhada continuou toda a escrever nos cadernos de notas, todos muito sérios. Eu estava à espera que o nigeriano dissesse: "estava só a gozar", mas não. Aparentemente estava a falar a sério. Quando eu lhe disse que cheias em Moçambique acontecem desde o tempo do antes da Outra Senhora, ele disse-me que agora ocorrem com mais frequência e afectam mais pessoas. Ninguém se riu, vejam lá!
A sala desta conferência não tinha ar condicionado ou janelas e a malta começou toda a sentir o efeito de estufa. Fui-me embora quando um outro activista disse que a brancalhada deveria pagar a África porque uma percentagem enorme dos seus médicos e enfermeiros vão trabalhar para esses países. Ninguém se riu e ninguém perguntou porque é que os médicos e enfermeiros não querem ficar em África. Eu já estava a transpirar e fui beber uma cervejinha alemã com uma salsicha. Depois fiquei com azia. Não sei se foi da salsicha ou das conferências de imprensa.
Hoje isto termina. O Thabo Mbeki está ali neste momento falar com o Tony Blá Blá e com a Angie. Tenho que me ir embora porque pode ser que alguns deles tenha alguma coisa a dizer. O que duvido.

Até breve
Do local da conferência dos oito governadores

Jota Esse Erre

Hells Angels (5)


Sinal de paz. Virgínia. USA. 2007

Foto de Jota Esse Erre

Maravillosas ocupaciones


Qué maravillosa ocupación cortarle la pata a una araña, ponerla en un sobre, escribir Señor Ministro de Relaciones Exteriores, agregar la dirección, bajar a saltos la escalera, despachar la carta en el correo de la esquina. Qué maravillosa ocupación ir andando por el bulevar Arago contando los árboles, y cada cinco castaños detenerse un momento sobre un solo pie y esperar que alguien mire, y entonces soltar un grito seco y breve, girar como una peonza, con los brazos bien abiertos, idéntico al ave cakuy que se duele en los árboles del norte argentino. Qué maravillosa ocupación entrar en un café y pedir azúcar, otra vez azúcar, tres o cuatro veces azúcar, e ir formando un montón en el centro de la mesa, mientras crece la ira en los mostradores y debajo de los delantales blancos, y exactamente en medio del montón de azúcar escupir suavemente, y seguir el descenso del pequeño glaciar de saliva, oír el ruido de piedras rotas que lo acompaña y que nace en las gargantas contraídas de cinco parroquianos y del patrón, hombre honesto a sus horas. Qué maravillosa ocupación tomar el ómnibus, bajarse delante del Ministerio, abrirse paso a golpes de sobres con sellos, dejar atrás al último secretario y entrar, firme y serio, en el gran despacho de espejos, exactamente en el momento en que un ujier vestido de azul entrega al Ministro una carta, y verlo abrir el sobre con una plegadera de origen histórico, meter dos dedos delicados y retirar la pata de araña, quedarse mirándola, y entonces imitar el zumbido de una mosca y ver cómo el Ministro palidece, quiere tirar la pata pero no puede, está atrapado por la pata, y darle la espalda y salir, silbando, anunciando en los pasillos la renuncia del Ministro, y saber que al día siguiente entrarán las tropas enemigas y todo se irá al diablo y será un jueves de un mes impar de un año bisiesto

Julio Cortazar.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

Do encontro dos Oito Governadores

Olá!

Hoje tenho a dizer-vos que estou bem lixado com os globalizados antiglobalização. Cortaram a linha de caminhos-de-ferro que liga Kuhulungsborn a Heiligendam e eu gastei cinco horas para percorrer 16 quilómetros para falar com o grande timoneiro Durão a que alguém insistiu em chamar de “Presidente Barolo”.
Mas já lá vamos.
O que aconteceu é que para ir ao local onde os 8 Governadores se reúnem (e “penduras” como o “president Barolo”) os 5.000 mil jornalistas que aqui se encontram para rescrever “press releases” e comer e beber do bom e à borla precisam apanhar o comboio a vapor antigo, relíquia da ditadura do proletariado mas que é bem giro e que portanto merecia uma viagem.
Foi por isso que decidi ir à conferência de imprensa do “Presidente Barolo”. Lixei-me. Os globalizados antiglobalização interromperam a linha de caminhos-de-ferro o que lançou a burocracia da segurança da Bundesrepublik em paranóia total. Primeira reacção foi a do costume: ninguém mais vai ao local onde estão os 8 Governadores. O Barolo deve ter protestado porque depois lá concordaram em permitir que a malta fosse a Heiligensdam. Mas primeiro tivemos que preencher uma lista com os nossos nomes, que depois foi lida por uma gajo da segurança com bigodes grandes e que só falava alemão e que parecia um actor de um filme cómico a ter que ler os nomes da malta. Fartei-me de rir! Principalmente quando ele tentou ler o meu primeiro nome escrito com a minha letra!!! O porquê de termos que preencher uma lista de nomes que depois foi lida por um gajo de bigodes em uniforme escapa-me. Um brasileiro da Folha de São Paulo disse que isso é prova da decadência da Bundesrepublik: "Isto é organização de índio selvagem”, disse ele. “Em Moçambique está bem, mas aqui?” Fiquei calado. Deve ser vocabulário de progressistas!
Lá fomos depois de passados a pente fino pela segurança que incluía uma gaja com um cabelo loiro e uns pulmões de lhes tirar chapéu e depois fomos transportados por vedetas da marinha da Bundesrepublick até Heiligensdam. Porreiro. Um passeio de barco pelo mar báltico protegidos por gajos em barcos de borracha todos vestido de preto estilo carnaval dos Ninjas e que de vez em quando davam umas aceleradelas para impressionar os marinheiros das nossas vedetas que iam a passo de tartaruga (do mar).
Bem lá chegámos a Heiligensdam. Só que ninguém estava à nossa espera e uns gajos da segurança vestidos de fatos muito largos com chumaços debaixo do casaco estavam verdadeiramente em pânico porque não nos esperavam. Fiquei com a impressão que teríamos sido todos passados a fogo de metralhadoras se não estivéssemos sob a protecção da marinha da Bundesrepublick e dos “ninjas”. Os “ninjas” estavam lixados a gritar aos gajos dos casacos com chumaços.
Enfim! Tivemos que esperar na doca enquanto os gajos de fato e chumaços trocavam informações através de microfones escondidos nas mangas dos casacos. Nunca percebi porque é que os gajos da segurança escondem os microfones nas mangas do casaco. Um puto camera man disse-me há tempos atrás que é porque “it looks cool”. Deve ser.
Depois lá fomos a pé através de uma vila onde ao contrário do que acontece em Kuhulunsborg ainda não há recuperação da ditadura do proletariado. Velhas mansões sem pintura, com um aspecto da abandonado ao lado de algumas mansões já recuperadas para o que vai ser um local de turismo dos super ricos. Porreiro!. Fiquei a pensar que os gajos da ditadura do proletariado não deviam gostar de casas grandes. Todas a cair de podre. Atravessámos uma pequena floresta e fiquei alarmado quando um gajo da segurança nos disse : “não saiam do carreiro”. Só espero que não se esqueçam de levantar as minas quando acabar a conferência dos 8 Governadores. Mais tarde perguntei ao gajo da segurança se tinham posto minas na floresta e ele riu-se.
Lá chegamos ao local da conferência de imprensa do Durão e foi aí que um jornalista, creio que da Bulgária, começou a falar do Presidente Barolo. Ena Pai! Um camara man alemão ia caindo, da plataforma onde estava a filmar o acontecimento, de riso.
Depois da conferência ninguém estava interessado no que o Durão tinha dito. Toda a malta queria era falar do Presidente Barolo (que como vocês sabem é um vinho distinto italiano) pelo que eu acrescentei a minha parte à bazofia: “Red Barolo”. O camara man alemão foi o único que compreendeu. Horas depois já em Kuhulungsborg ia eu a sair do mictório quando dei de caras com ele. “Red Barolo”, disse o camera man para depois rebentar a rir.
Na conferência de imprensa eu fiquei lixado porque o Durão passou 95% do tempo a falar do aquecimento do global. Eu fiquei lixado porque já que na sexta feira os 8 Governadores vão reunir-se com os súbditos africanos eu pensava que os problemas da malária, da doença e da pobreza eram mais importantes. Aquecimento global é problema da brancalhada, porra. Por isso eu queria perguntar ao “presidente Barolo”: “Você acha que é possível combater a pobreza sem emitir gases que causam o efeito de estufa?”
Eu acho que é uma pergunta legítima já que os países que causam menos poluição no mundo são em África e são todos os mais pobres do mundo. Pode ser que África seja o futuro, sei lá!
Bem pus a mão no ar mas o “handler” que dirigia a conferência de imprensa não me dava a palavra e o Barolo acabou por só falar do aquecimento global o que me pôs a ferver.
Depois lá voltámos nas vedetas da Bundesrepulibk acompanhados pelos Ninjas. Cinco horas gastei eu nesta palhaçada em que o melhor da festa foi a referência ao Presidente Barolo. Quando cheguei a Kuhulunsburg fui logo beber uma “Rostock” que uma morena alemã de olhos verdes me tinha recomendado na noite anterior. Bem boa!(ambas).
Hoje quinta-feira tenho que ir encontrar-me com o Sarko. Ao princípio da noite. Espero que os globalizados antiglobalização já tenham deixado de tirar mau sino com o comboio. Não estou para outra viagem com Ninjas e marinheiros da Bundesrepublik. Senão se calhar vou é beber uma Rostock com a morena alemã de olhos verdes que graças aos milagres da globalização não fala uma única palavra de inglês, francês, dinamarquês ou mesmo português.

Um abraço
Aqui de Khulungsborg perto do local da conferência dos 8 Governadores

Jota Esse Erre

Hells Angels (4)


Duro Angel. Virgínia. USA. 2007

Foto de Jota Esse Erre

quarta-feira, 6 de junho de 2007

O álibi da Mundialização

Só a timidez inacreditável do nosso PR, Cavaco Silva, explica o facto de ter balbuciado algumas frases sobre o processo da Mundialização, caixa de surpresas e venenos que agita o Mundo...E que só por regulação democrática evitará o caos.

O stop and go da economia mundial e os encantos ilusórios de uma desvairada Mundialização, abertura de fronteiras e reclassificação tecnológica pela deslocalização de parte substancial do aparelho produtivo de baixa qualidade para a China e a Índia, criam embaraços a toda a gente, sobretudo em países como Portugal que abandonaram um projecto nacional de qualificação industrial. Ora, hoje a inovação afasta os países fracos e dependentes e acentua as desigualdades sociais e interterritoriais - mesmo em países enquadrados num conjunto supranacional de impacto como o é a União Europeia. Na Feira Nacional da Agricultura, Cavaco Silva frisou, no encadeamento de declarações caladas de imediato por auto-reflexo, que a Mundialização vai continuar a criar oportunidades... com vencidos e vencedores. Ele bem queria dizer isto, mas o bom senso e a responsabilidade da função ocasionaram o não dito. Quem é que ficou sossegado: ninguém, claro está; sobretudo os que se batem com os problemas da economia real: li no Público que um telefone ainda demora 6 a 7 semanas a ser instalado para unidades comerciais e industriais.

Justamente, a 24 de Maio último, o Wall Street Journal, a bíblia do capitalismo da Quarta Vaga, publicou em duas páginas um artigo/ reportagem enorme, intitulado "Resultados inesperados: a Mundialização aumentou e fez disparar as desigualdades de rendimentos "Caiu o Carmo e a Trindade e os cronistas do NY Times saíram a terreiro para se congratularem por este acesso de realismo demonstrado pelo firme defensor dos capitalistas, o WSJ. O que se passa? Será mais uma operação diabólica da famigerada dupla Bush/ Cheney e acólitos? Trata-se de atirar poeira para os olhos dos incautos e "estimular " o aceleramento da economia mundial? Adam Smith e David Ricardo foram ressuscitados para afastar a "maldade" dos bajuladores da economia de mercado sem fronteiras?

O que se passa e sabe é bem mais prosaico, claro. E os economistas do WSJ apontam: "Os pobres trabalhadores do Terceiro Mundo não são favorecidos pela mundialização. Porquê? O trabalho para que são aliciados, sem seguros e com preços irrisórios, é, num período mais ou menos breve, deslocalizado, de novo, para outros países ainda menos desenvolvidos ". E vai mais longe a análise do WSJ: "O argumento da globalização que move os seus entusiastas não colhe: a deslocalização iria forçar a mão-de-obra despojada a tentar nova formação. Isso não passa de um álibi. Custa a reconhecer que a Mundialização desencadeia um processo em que os trabalhadores com formação, os directores e os gestores de topo (isto já acontece) acabam por certificar-se que, também eles, podem ser trocados por outros ". O NY Times refere um colóquio realizado em Veneza, no passado fim-de-semana, com o intuito de incentivar a restauração dos contrapoderes e da justiça social, por forma, frisa William Pfaff, que sejam colocadas " paragens num processo que constitui a mais desestabilizadora força do Mundo desde a Segunda Guerra Mundial".


FAR

Hells Angels (3)


Velho Angel. Virgínia. USA. 2007


Foto de Jota Esse Erre

Deste Governo ou o Silêncio dos inocentes...

Estou desde há mais de uma hora a tentar passar de uma segunda página de uma candidatura.
A dita fica bloqueada. Espero, espero e desespero.
Mais logo, tenho de me levantar para ir trabalhar. Não posso ficar a noite em claro. No outro dia tenho que conduzir, deixar um filho a horas na escola e estar a horas e desperto no meu local de trabalho.
Exijo-me estar desperto, atento e eficiente. Não posso permitir-me qualquer tipo de negligência.
Este Governo que me merece, enquanto cidadão livre num país livre, uma rotunda desaprovação.
Este Governo que, enquanto meu superior hierárquico, me obriga a um silêncio incómodo.
Como cidadão, exijo que me seja reconhecido o direito à indignação: protesto, indignadamente, em relação à forma como está a ser conduzido todo este ínvio processo.
Ínvio porque conseguiu fazer com que pessoas com vinte e cinco ou mais anos de carreira profissional consintam em reduzir o seu percurso profissional aos últimos sete anos da sua actividade.
Para vos dar um exemplo: seria como pedir a Eusébio que desse conta do seu desempenho enquanto profissional de futebol nos últimos sete anos de carreira: Beira-Mar, um clube qualquer nos Estados Unidos da América e... mais nada.
Este processo é indigno. Este processo vai contra tudo o que é de justiça, vai contra as leis de um país democrático.
Ninguém se indigna.
Obedientes ovelhas se resignam.
Contando pontos, preenchendo formulários, aguardando pacientemente no redil da net...
Um país que tais educadores tem é o sítio onde tudo é possível.

Estou indignado com este estado de coisas. Uma carreira é uma carreira. Por e para isso me pedem 'currícula' sempre que concorro a um emprego. Não me pedem nunca os sete melhores últimos anos. Pedem-me tudo, daquilo que foi o meu percurso. E eu envio, porque acredito que tudo se deve basear numa análise desse mesmo percurso.

Concorram.
Inscrevam-se.
Não contestem, não protestem.

E estas gentes, que -por definição - deveriam ser o sector mais atento, mais desalinhado desta sociedade - acatam. Obedecem. Carneiros obedientes oferecendo o colo ao cutelo do carrasco.
O silêncio dos inocentes...

Faz-se madrugada e decido dormir.
Hei-de sonhar com uma madrugada redentora...

terça-feira, 5 de junho de 2007

Da Conferência dos 8 Governadores

Olá!

Já cheguei a Kuhulunsgborg, ao lado de Heiligendam onde os 8 Governadores, conhecidos por G 8 se vão reunir.
Khuhulungsborg está à beira do mar Báltico mas está a chover e o condutor de um autocarro alemão que transporta à borla os jornalistas dentro desta pequena cidade disse-me que vai chover todo o tempo. “Para molhar os atira pedras”, disse-me ele num inglês a fazer lembrar o Schwarzenegger.
No aeroporto de Munique o alemão que me atendeu para alugar um carro também não se mostrou muito simpático com os “atira pedras”. Disse-me que agora os manifestantes vão de um país para outro “só para atirar pedras”.
“Na Inglaterra os alemães, os italianos, os franceses atiram pedras. Na Alemanha os italianos, os ingleses e os franceses. Só gostam de atirar pedras e viajam de um lado para outro por causa disso”, disse-me para tentar justificar a pancadaria em Rostock.
Eu tive que imediatamente lhe dar uma lição sobre os benefícios da globalização, entre as quais se conta a de se ter manifestantes antiglobalização totalmente globalizados.
Os manifestantes estão hoje bem organizados. Telefone celular, comboios chartered, sites na internet. E depois ainda se queixam contra a globalização. A sua organização é de admirar. Não tem nada que ver com os tempos em que a malta saía à rua para gritar palavras de ordem contra os americanos e andar à porrada com a polícia. Agora a malta sai à rua para andar à porrada com a polícia, gritar palavras de ordem contra os americanos mas prepara tudo bem preparadinho. Logo à minha chegada ao centro de imprensa foi-me posto na mão um livrinho de 18 páginas em inglês outras tantas em alemão e mais duas com mapas com o programa da manifestações! Posso-vos já dizer que quarta-feira é o dia do “bloquear o G8”. Para tal vão tentar bloquear estradas de acesso a Heiligendam e Kuhulunsborg e levar a cabo manifestações. Vai dar porrada de certeza.
A caminho aqui de Kuhulungsborg vi muitos manifestantes a pé com um ar de perdidos no meio das zonas rurais. Um das coisas boas das cimeiras dos Oito Governadores é que são em sítios isolados pelo que são de uma beleza pouco vista. Estradas pequenas, vilas com gajos em camisola interior no jardim onde ninguém fala inglês. Porreiro.
Kuhbulugsborg é porreiro. Cheio de restaurantes, pensões e pequenos hotéis. O centro de imprensa está à beira mar. Cerveja à borla, comida à borla, telefone à borla para qualquer parte do mundo.
Como sempre está cheio também de organizações missionárias (as chamadas Organizações não governamentais). Estou aqui há quatro horas e já fui abordado por quatro delas a convencerem-me a fazer entrevista. Para os afugentar digo que só faço entrevistas em português. Houve uma pessoa de uma organização chamada CAFOD (verdade!) que disse que arranjava alguém que fala espanhol. Fingi-me ofendido. (CAFOD significa Catholic Agency for Overseas Develoment e não é verdade que tenha uma subsidiária chamada LAFOD)
Tenho que me ir embora porque tenho que ir fazer a cobertura de um bar onde estão a servir champanhe à malta de imprensa. À borla. Deve ser para celebrar o facto de que dos dois mil jornalistas muito poucos vão ver os Oito governadores.
Eu para quarta-feira já arranjei uma tour à “histórica Wismar”. Não sei o que é mas prometeram um almoço à borla. Lá vou cantando e rindo.

Abraços
Da cimeira dos Oito Governadores

Jota Esse Erre

Hells Angels (2)


Virgínia. USA. 2007

Foto de Jota Esse Erre

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Um 'little Joe' numa outra capital...

Amigos meus, hoje estive no Parque Mayer.
É aqui mesmo, em Lisboa, numa perpendicular à Avenida da Liberdade.
Quando entrei revi o 'Variedades', esclerosado. Logo em frente estava um parque de estacionamento a céu aberto entre ruínas. O esqueleto vetusto do 'Capitólio' e logo ao lado um 'Maria Vitória' teimoso, a resistir à decadência.
Aqui mesmo, em Lisboa.
Senti uma imensa pena - eu que nunca frequentei aquele espaço e que dele tenho apenas uma memória afectiva por ser do Teatro.
Assim mesmo, do Teatro. Um Joe que ama uma arte que vai sucumbindo entre ruínas.
O nosso Parque Mayer fazia falta à Cidade.
O importante é que as pessoas vão ao teatro. O importante é que se cultive o hábito de sair para ir ver teatro, amigos meus.
Por isso, me comovi perante as ruínas daquela sala de espectáculos de Lisboa.
No meio das minhas secretas lágrimas perguntava-me apenas isto:
Quanta arrogância, quanta ignorância e quanto desleixo passaram pelo Gabinete da Presidência, na Praça do Munícipio?...
Esta Lisboa, que também sinto como minha, transforma-se, aos poucos, num lugar ermo onde me sinto quase nada seguro. Reconhço que nem mesmo ali os fantasmas se sentem seguros.
Faz muita falta um sítio nesta Lisboa - que reclamo como minha enquanto lugar de civilização - onde possa rir, chorar, aplaudir, comungar desse acto civilizacional que é 'ir ao teatro' - com tudo o que ele implica.
António Silva, Vasco Santana, Laura Alves, João Villaret, Beatriz Costa, Eugénio Salvador, Humberto Madeira, Ivone Silva... quantos fantasmas se acotovelam naquele parque de estacionamento no coração de uma cidade que os despreza?...
Nas treze horas em que cruzo aquelas ruínas e as sinto condenadas vem-me uma grande vontade de chorar.
Contenho-me, porém, a entrada do Metro é quase ali. Não me apetece descer a pé o que resta da Liberdade.
É nesta subterrânea condição de viajante do Metro que me apetece passar até ao lado desta cidade que me há-de conduzir à outra margem. Darei, assim, as costas aos fantasmas e ao desgosto.
Para citar um poeta:
'Lisboa, tão perto e tão longe'

Hells Angels (1)


Easy Riders.Virgínia. USA. 2007

Foto de Jota Esse Erre

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

Da Capital do Império

Olá!
Sei que esta carta vos vai apanhar um pouco de surpresa mas estou de volta mais rapidamente do que o costume para vos dar uma excelente notícia: vou à reunião na Alemanha dos 8 Governadores, a que eu chamo também reunião dos 8 Gajos e que todo o mundo conhece por G 8.
Vou tentar mandar-vos de lá crónicas diárias sobre este importante acontecimento anual em que milhares de jornalistas comem e bebem à borla durante dias, milhares de beneficiários da globalização congregam-se para protestar contra a globalização e os 8 Governadores recebem tributo de dirigentes dos PPD (Países Perpetuamente em Desenvolvimento), prometendo depois mais ajuda que nunca é suficiente para o cada vez maior número de ordens missionárias, hoje conhecidas pelo nome de Organizações Não Governamentais. É bacano! Este ano disseram-me que vai lá estar também um representante do novo PEF (País Eternamente do Futuro) que agora, como vocês sabem, é a China. O anterior PEF se vocês bem se recordam era o Brasil que foi substituído pela China porque a malta das favelas chateou-se de esperar pelo futuro e está gradualmente a transformar toda a nação em EPEF (Este País É Foda).
Os que eu gosto mais nas reuniões dos 8 Governadores são os missionários e os manifestantes globalizados antiglobalização. Um tipo detecta-os logo no avião a caminho do local onde os 8 Gajos se reúnem. Os globalizados antiglobalização viajam de avião que é agora barato e comum graças à globalização, estão geralmente armados com celulares, computadores, casaco estilo militar preferivelmente verde-escuro e muitos deles, principalmente as gajas, gostam de usar à volta do pescoço aquelas toalhas de mesa encarnadas e brancas que os palestinianos usam à cabeça. É um toque “trés gauchiste” da moda bem parisiense do cachecol ao pescoço. Tenho a dizer-vos que no que diz respeito aos cachecóis os franceses globalizados antiglobalização têm o mesmo “panache” que o resto dos parisienses. Ninguém no mundo consegue pôr um cachecol à volto do pescoço como os parisienses. Tem um “je ne sais quoi” que me faz inveja porque quando eu tento pôr um cachecol parece-se sempre a corda de um gajo prestes a ser enforcado.
Tenho no entanto a assegurar-vos que eu não vou usar toalha de mesa palestiniana à volta do pescoço. Não porque não goste das toalhas de mesas dos palestinianos. Mas, não sei lá porquê cada vez que passo num aeroporto alemão sou sempre escolhido para vistoria especial. Uma vez em Frankfurt já depois de ter sido levado para um quarto especial onde só não me meteram o dedo no tal local porque – penso eu – os policias não acordaram em quem o deveria fazer, fui depois parado quando ia a pé de um terminal para outro por dois Polizei. Uma com uma metralhadora e outro com uma pistola e um lobo da Alsácia. Quiseram ver os meus “papir” e depois vistoriaram-me a mala de mão enquanto um deles falava para o microfone preso ao ombro. Eu não percebi patavina do que diziam e estava cada vez mais apreensivo à espera de ser levado ao Oberstrumfurher (ou lá como é que se diz sargento em alemão) por causa dos meus “papir” quando um dos Polizei detectou os meus travelers cheques e disse: “Ah! Kapitaliste”. Foi o degelo e ainda hoje agradeço à American Express. A Polizei que falava ao microfone repetiu qualquer coisa como “Americanshe travelers cheques” com um ar aliviado. Isto apesar do lobo de Alsácia não ter ficado convencido pois continuou sempre a olhar-me nos olhos e a puxar pela trela como que a dizer “agarrem-me ou eu rebento com este gajo”. Um amigo meu sugeriu que corte a barba afirmando que “porra com essa barba pareces um imã árabe”. Eu dei lhe uma lição sobre como nem todos os muçulmanos e/ou árabes são terroristas embora tenha que concordar que quase todos os terroristas são muçulmanos e/ou árabes.
Mas isso são outras histórias. O que eu gosto nestas conferências dos 8 Gajos é ir às conferências de imprensa das organizações missionárias e fazer perguntas estúpidas. Os Oito Gajos geralmente nunca aparecem ou se o fazem é só no fim pelo que até ao fim da conferência a malta diverte-se a rescrever “press releases”, a passear e a ir a conferências de imprensa das organizações missionárias que têm sempre montes de criticas a fazer aos chefes da brancalhada. De vez em quando eu gosto de ir ver a porrada entre os globalizados antiglobalização e a policia. Há uns anos atrás encontrei um policia com humor que estava a fumigar com “pepper spray” uns gajos com toalhas de mesa palestinianas a tapar a cara. “Pepper Spray” como vocês sabem é uma excelente invenção da humanidade pois pode ser espalhada a curta distancia estilo insecticida, directamente na cara de um globalizado antiglobalização. É uma espécie de gás lacrimogéneo mas que é feito com gás de pimenta. Quando eu perguntei o nome ao polícia que usava o spray ele respondeu-me: “Sargeant Pepper” e depois apontando para o resto dos policias acrescentou: “and that is the Lonely Hearts Club Band”. Valeu a viagem! Isto porque ao mesmo tempo um globalizado antiglobalização resolveu tirar as calças, baixar-se, virar o rabo para os polícias e gritar “Spray here, you pig”. Um policia num carro com uma mangueira deu-lhe uma chuveirada no dito cujo perante o gáudio da malta da imprensa. Depois a coisa descambou em porrada e eu fui-me embora
Mas, voltando às conferencias de imprensa. Na Escócia há dois anos atrás uma senegalesa de uma dessas organizações ia-me linchando e um dos outros missionários acusou-me de fazer “perguntas do George Bush”. Isto depois de eu ter perguntado porque é que os 8 Gajos deveriam dar mais ajuda a África se desde 1964 já foram dados 500 mil milhões de dólares. Ena pai! A missionária começou a dar-me lições sobre os males da brancalhada para o mundo e depois ia atirando-me com o microfone quando ela mencionou 50 mil milhões de dólares de ajuda e eu interrompi para dizer 500 mil milhões. “Don’t interrupt me” disse ela furiosa por eu fazer questão em sublinhar um erro de um zero. A coisa ia descambando totalmente quando eu lhe disse que não estava a interromper mas somente a corrigir. Ao fim e ao cabo 100 mil milhões aqui e cem mil milhões ali, estamos a falar de dinheiro a sério! Ena Pai! Não gostou a senegalesa. Fui acusado não só de fazer “as perguntas do George Bush” mas também de ser arrogante. Não me chamaram de racista mas ficou a pairar no ar. Mais tarde uma outra missionária mais calma informou-me em privado que as “mulheres senegalesas são um terror” e “não gostam de receber ordens de homens” e que “quem manda no Senegal são as mulheres”. Não sabia mas fiquei a saber. Não sei se terei coragem para perguntar isso ao “Inevitável Wade”, o presidente do Senegal que não perde uma oportunidade para estar em todas as grandes conferências e daí o seu primeiro nome: Inevitável. Vai lá prestar tributo aos 8 Gajos. Penso que vai lá também pedir massa. O que é que vocês acham?
Não creio que terei paciência para aturar o Wade mas espero que os missionários da Action Aid dêem uma conferência de imprensa este ano. Estive a ler o relatório deles em que afirmam que os 8 Gajos “devem” a África uma porrada de massa (!!) porque não cumpriram promessas de ajuda feitas na Escócia há dois anos atrás. Eu quero perguntar-lhe se os 8 Gajos podem – talvez na próxima reunião – pedir o perdão dessa dívida a África ou então pelo menos reescaloná-la com juros porreiros.
No lado calmo da questão estou desejoso de saber o que é que os alemães vão dar à malta da imprensa. Eh pá na Escócia o governo do Tony Bla Bla tratou-nos como reis e rainhas. (É por isso que eu cada vez mais sou mais monárquico). Comida à borla, bebida à borla e no final da conferência uma garrafa de whisky single malt do mais caro a cada jornalista. Deu confusão total porque houve malta que foi para a bicha duas e três vezes. A capacidade criativa das massas nunca deixou de me impressionar!! Quando chegou a minha vez já tinham iniciado um plano de acção para impedir a fraude carimbando a credencial de imprensa. Porra!
Livrou-me o facto de ter conhecido uma jornalista tunisina que por razões de Maomé não bebe. Meti-a na fila com a promessa de lhe pagar uma laranjada no fim. Alguém da Lusitânia acusou-me de fazer um “negócio da China” e isso fez me sentir todo orgulhoso porque como já vos disse a China é agora o novo pais do futuro o que mostra que eu estou na jogada.
Logo que lá chegar digo-vos qualquer coisa sobre o que é a Ângela nos tem para oferecer.

Abraços
Da Capital do Império

Jota Esse Erre

domingo, 3 de junho de 2007

Niassa (13)


Da série "Terra Incógnita". Niassa. Moçambique 2001

Foto de Sérgio Santimano

Liberdade para Aung San Suu Kyi !

Bill Clinton, Bush-pai, Carter, Walesa , Havel, Corazon Aquino e Thatcher de um conjunto de 58 personalidades mundiais rogam ao chefe da Junta Militar de Myanmar a libertação da líder da Oposição Democrática vencedora das eleições gerais de 1990 e Prémio Nobel da Paz

A ONG Freedom Now sediada em Washington lançou um alerta mundial contra o prolongamento da detenção arbitrária em residência da líder das forças da coligação democrática, a Liga Nacional para a Democracia, Aung San Suu Kyi, que perfaz já mais de 11 anos consecutivos, desde que a Junta Militar tomou conta do poder em 1990. Aung, com 61 anos de idade, está impossibilitada de receber visitas, correio e atender o telefone. Num artigo publicado na edição Week-End do NY Times, dois advogados da ONG protestam contra a arbitrária e funesta atitude da Junta, revelando que num primeiro tempo "os militares tentaram vender a ideia de que a líder oposicionista estava detida na sua residência como medida de protecção a seu favor...".
Myanmar, região asiática paradisíaca, está transformado pelos militares corruptos e facínoras num paraíso de produção e tráfego de ópio e heroína, sendo conhecido como o segundo maior exportador mundial a seguir à Colômbia. A corrupção e séquito de atentados humanos em série, aterradores, acompanham essa perspectiva de edificação de um narco-estado à margem de todas as leis. A Junta envolveu-se em obras faraónicas e resolveu mudar a capital para o interior da selva. Resultado: 3 mil aldeias destruídas, 800 mil pessoas deslocadas à força, 1 milhão de exilados nos Estados vizinhos e 800 mil cidadãos condenados a trabalhos forçados. 70 mil crianças estão integradas no Exército. O Inferno existe à face da terra e não só no Zimbabué ou na Coreia do Norte.

FAR



(foto de wikimedia.org/wikipedia)

Sinais


Desenho de Maturino Galvão