terça-feira, 15 de agosto de 2006

HEY JOE


Retratos de gente

João Fróis
 
Veio de Matosinhos e de bicicleta Posted by Picasa

Crónicas do Jocélio

Paramécia. Era esta a alcunha de um dos melhores professores que tive no Liceu. Pequenino, unicelular, radiante. Professor antes de tudo; professor de português com tudo aquilo que era. Tive-o no fim dos anos sessenta. A Escola reproduzia, nos seus mais ínfimos pormenores, o tempo cinzento e duro que se vivia. E ele, no meio da barbárie, cativava o seu público, a falar de literatura portuguesa. Reconhecíamos-lhe, falo de mim e dos meus colegas, uma autoridade que aquela Escola não tinha. Chorava a declamar, por exemplo, a lírica camoniana, num tempo em que só era permitido, entre rapazes, o chorar de raiva. Abriu-nos mundo! Num tempo em que havia aulas de Lavores e de Culinária, para raparigas. As aulas não eram mistas, nós tínhamos outros lavores. Em que os regentes escolares, com o 4º ano, foram graduados. Nós reconhecíamos o valor das paramécias. Não das amibas. Também é verdade que os profs de português que tive não leram Paulo Coelho, Rita Ferro e Margarida Rebelo Pinto, como os de hoje. Não eram da altura. O Paramécia, por pudor e respeito não refiro o seu nome, não era desse tempo, nem sequer deste. Era respeitado. Respeitava os alunos. Ensinava com a autoridade que tinha. A dele.

Jocélio Vasco Salvado Elias

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Summertime


From whom the bell tolls - 1

Nós que não somos naturais, porque

somos quem nega a natureza, não

morremos nunca de animais a morte.

Essa morte primeva, com que acabam

os que jamais souberam que viviam,

não nos pertence desde a hora em que

de humanidade nos fizemos homens

e ao sofrimento abrimos esta carne

embebendo-a do amor que não devera

ser mais que o cio do prazer sem nome

e sem memória alguma. Nunca mais

havemos de morrer em paz e espanto

de se acabar o mundo e não nós nele.

O que nos mata é solidão povoada.


Jorge de Sena

domingo, 13 de agosto de 2006

Pergunta de Verão

"Aceitaria não vir a ser quem poderia ter sido, se só a esse preço pudesse saborear plenamente a certeza de amar?"

André Breton
SINAIS
 
Desenho de Maturino Galvão Posted by Picasa

sábado, 12 de agosto de 2006

As bocas que se juntam

As bocas que se juntam

exalação da carne

sobre a carne

e o latir, longe, dos cães,

rumor de cigarra,

arquejante chegada

do sangue, chuva e feno


e o rolo do mar

nos corpos quando se amam .


António Osório

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Pergunta de Verão

"Acredita na vitória do amor admirável sobre a vida sórdida ou da vida sórdida sobre o amor admirável?"

André Breton
SINAIS
 
Desenho de Maturino Galvão Posted by Picasa

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

A nossa teoria da Proporcionalidade

Nós no 2+2=5 declaramo-nos incondiconalmente a favor da liberdade do soldado Gilom Shalit e do Líbano.

Amnésias

O argumento de que "Israel se está a defender de um ataque", repetido ad nauseaum pela direita alinhada e outros, é por deveras curioso. A mim parece-me que resulta de um selectivo ataque de amnésia; porque não recapitular a origem desta crise? Segundo me parece, tudo começou com o rapto de um soldado israelita, Gilom Shalit (ainda se lembram?). Pensando melhor, tudo começou desta forma: após a retirada de Gaza, tida como um grande passo para a paz, o Hamas ganhou as eleições na Palestina, legais e honestas aos olhos de todos. Após esse acontecimento, é de notar que não se viram quaisquer ataques bombistas suicidas em Israel (sem dúvida que a retirada de Gaza teve grande influência, mas também, e arrisco sobretudo as novas condições da liderança palestiniana, tiveram influência decisiva). Contudo, apesar de na prática estes ataques terem desaparecido, Israel continuou a considerar o Hamas, ou seja, os lideres palestinianos eleitos, como alvos legítimos. Daí que o governo da Palestina, ou seja, na visão redutora dos acólitos que conhecemos, o "Hamas", tenha continuado a ser, durante meses, alvo dos famos "assassinatos selectivos", que, como todos sabemos, passaram a incluir membros eleitos, e assim dotados da famosa e tão estudada legimitimidade democrática aos olhos dos palestinianos Além disso, Israel e a "comunidade internacional" (muitas, muitas aspas) congelaram as transferências de dinheiro para o novo governo palestiniano, não respeitando de nenhum modo e tentando condicionar a posteriori a livre decisão dos votantes. No decurso deste processo, os diversos grupos palestinianos chegam inclusivé ao ponto de declarar que apenas são legitimas acções de resistencia dentro dos Territórios Ocupados, e só contra o exército israelita. Num seguimento quase lógico desta situação, o soldado Shalit é raptado por um grupúsculo palestiniano radical não alinhado com o governo. Imediatamente é lançada uma ofensiva em larga escala, incluindo bombardeamentos contra cidades, portos, e qualquer o tipo de infra-estruturas em toda a Faixa de Gaza, apenas meses antes "libertada" de uma ocupação de trinta anos. Disto resultam centenas de mortos e a destruição da economia em Gaza. Em resultado destes acontecimentos, o Hezbollah, um grupo evidentemente anti-israelita e comprometido com a causa da Palestina, rapta dois soldados. Israel invade o Líbano, bombardeia punitivamente as cidades, mesmo as que nada tem a ver com o xiismo do Hezbollah (cristãs maronitas, sunitas, etc.). Morrem vários milhares de libaneses e palestinianos. O Hezbollah retalia com "rockets" sobre as cidades israelitas, morrem centenas. O exército de Israel envolve-se em combates "corpo-a-corpo" com o Hezbollah, com dezenas de baixas de parte a parte. A "comunidade internacional" (muitas, muitas aspas), com os Estados Unidos, os aliados de sempre de Israel, à cabeça, pretende aproveitar a oportunidade para enviar uma "força de paz" para o sul do Líbano, ou seja, uma força que garanta finalmente o desaparecimento do Hezbollah e a segurança de Israel enquanto aplica as políticas que bem entende nos Territórios Ocupados. Note-se apenas o seguinte: o Hezbollah, ao contrário do que se possa pensar, é e sempre foi um exército "extensão" dos movimentos palestinianos (essencialmente um aliado do Hamas) cujo móbil se esgotará no dia em que esse problema for finalmente solucionado. Porque não se soluciona? Isso eu já expliquei noutros posts, por exemplo neste.
SINAIS
 
Desenho de Maturino Galvão Posted by Picasa

Independência

Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas ;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas.

Recuso-me às espadas que não ferem
e às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem
e às almas que já foram conquistadas.

Recuso-me a estar lúcido ou comprado
e a estar sózinho ou a estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

Recuso-me à inocência e ao pecado
como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, ó Terra dividida!

Jorge de Sena

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Los Santeros encerram digressão mundial

Mad Dog Clarence

Los Santeros

Os geniais Los Santeros irão encerrar a sua tour mundial ("The Dead Mexican Tour"), iniciada há aproxidamente cinco anos e com passagem por locais tão díspares como Anchorage, no Alasca, Cuando-Cubango, em Angola, ou Lhasa, no Tibete, com um mega-evento a ter lugar no próximo Sábado dia 12 de Agosto no Barreiro, mais concretamente nas Festas da terriola. O concerto-que-é-mais-que-um-concerto-antes-uma-manifestação-cultural-e-recreativa-de-primeira-ordem terá ínicio pelas 23 horas após uma Procissão Santera desde o Espaço Chapelaria até ao local, contará com um Comício Político-Santero com José Galinha Pássaro a orador, e como grande convidado, o único artista do mundo com categoria para integrar um concerto dos Santeros: o mítico bluesman do Cais do Sodré Mad Dog Clarence. Com entrada livre, espera-se a afluência dos leitores para mais este momento único na história músical que os Santeros proporcionarão aos fãs.

Andei aos solavancos pelas ruas de Lisboa à procura de um amigo, um daqueles amigos que me batesse nas costas, me chamasse "meu velho" e me falasse dos filhos, do emprego, dissesse brejeirices às mulheres que passam. Nem um. Então pensei em vir visitar-te, porque queria ouvir contar uma história que me trouxesse de volta o sentimento de pertencer às recordações de alguém.
Começaria assim a história. Esta noite, como o sono chegasse dificilmente, tentaste encontrar, entre os nomes evocados pela memória, um que fosse particularmente grato, de modo a coseguires adormecer com um sorriso nos lábios. A memória falhou-te, e tu adormeceste pobre, como pobre fora a tua vida. Como pretendes legar o conhecimento da tua experiência, exortando que se busque no amor um refúgio que nunca nos é negado, decides-te a descrever num conto, na primeira pessoa, o teu caso pessoal e esta desencorajante sensação de quem para sempre ficou só. Nesta história há um tipo miserável, andrajoso, esfaimado, e com que severidade ele expõe os seus pontos de vista; eu não posso deixar de rir, porque ao fim e ao cabo, até é ridículo ouvir um criançola, sem experiência em nenhum campo, a dizer as coisas, a torná-las feias e tristes e pesadas e inúteis.
Mas a verdade é que gosto de te ouvir falar da minha solidão, que não é de ouro nem de pedras preciosas, porque não pode ser tão horrível, nem tão mesquinhamente ostentosa; e do silêncio das coisas que se contentam em existir e aos poucos apodrecem.
Ouvir-te falar do vagabundo é como se eu me visse fora de mim, a tornar-me gradualmente a imagem que me apraz contemplar. Foste tu que me apresentou a esta imagem, uma forma diplomática de me indicares o teu cansaço. Até que um dia decidamos em perfeito acordo que as nossas aventuras passadas nada são perante a figura do amor...
O ponto de partida é, evidentemente, o essencial. De certo modo, o que eu verdadeiramente possuo é o ponto de partida. Mas que importa tudo isto, se o destino é comum e a hora de chegada nada modificará?
Não alongo mais a história, decerto já se adivinha que não é possível dar-lhe um fim.

Carlo Ruas

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Israel bate a bola baixo

Israel bate a bola baixo. As katiuskas do Hezbollah continuam indemnes. Só os mísseis fixos Fajr foram destruídos, que se encontravam em 59 silos. Os morteiros de 220 mm foram neutralizados. As katiuskas - morteiros de 122 ou 107 mm - parecem intactas. Os guerrilheiros ainda possuem mais de 9 mil, conforme as contas do jornalista. Israel, no entanto, eliminou as tropas de elite do Hezbollah, algumas dezenas de soldados de alta capacidade de acção. O que ganhou?

FAR

Leia o artigo do Libération:
Tsahal dresse un bilan mitigé de sa guerre contre le Hezbollah
aqui
SINAIS
 
Desenho de Maturino Galvão Posted by Picasa

domingo, 6 de agosto de 2006

Glosa à chegada de Godot

Do que desespero é muito pouco

fugaz e breve e, sem que se repita,

de não se repetir, retorna sempre.

Em nada cremos : o desejo e o amor,

o sol poente numa tarde clara,

o lúcido e confuso matinal degelo,

o que sentimos belo ou é ternura,

apenas são pretextos - sobrevivos,

ansiamos transmitir o mesmo engano.

Pois nenhum mundo nos fará melhores,

nem nenhum Deus nos salvará do mal.

Nunca nenhum salvou . Apenas nos fartámos

de horror que não sabiamos. E queremos

novos mundos e deuses sem enganos,

em que, depois de já sabermos que

somos falsos e vis, cruéis e vácuos,

possamos dar-nos ao supremo engano

de calmas e fraternas sobrevidas.

É desespero tudo, mas repete-se

tão sem se repetir, tão sempre de outros,

tão noutros e com outros que esperamos

o mais que inda virá. Às vezes, nada.

O Sim . O Não. Um simples hesitar

Às vezes muito pouco. O pouco. O muito.

O desespero é fácil tal como esperar.

Jorge de Sena